Saída do trabalho, mais ou menos a meio da viagem de regresso a casa pus os aparelhos (ainda não os suporto muito bem no metro) e, como tal, apercebia-me das conversas à minha volta.
Atrás de mim – no autocarro – sentaram-se duas raparigas que, pelos vistos, já não se viam há algum tempo. Percebi que uma delas estava a contar as novidades. Falava, falava… e a outra participava na conversa… ouvindo, dialogando… mas não contava nada dela própria.
Passado algum tempo, a rapariga que não parava de falar lá se deve ter apercebido que a outra ainda nada tinha dito que não fosse a continuação da conversa dela mesma e perguntou-lhe:
- Então e olha lá… novidades?
- Olha, eu tou a tirar a carta… Quero ver se a despacho antes de começarem as frequências, senão é tudo junto…
- Ai, eu com as frequências preocupo-me na altura… Para já, até ao Natal nem vou pensar nisso. Vou às aulas (blá blá….) E a tua mãe? Está boa?
- Pois… uns dias melhor outros dias pior. Às vezes olho para ela e vejo-a com tão má cara que fico preocupada. Pode ser só cansaço…
- Ah! Por falar em má cara… Tu sabes quem é que encontrei no outro dia?
Bom… deu-me uma vontade tão grande de me virar para trás e dizer “Mas para que raio é que perguntas se nem estás interessada em ouvir???”
Limitei-me a tirar os aparelhos e desliguei dali. Mergulhei nos meus pensamentos e lembrei-me que uma vez isso também já me aconteceu. Numa saída à noite com amigas minhas, em que ainda estivemos umas horas a conversar, várias vezes me fizeram algumas perguntas e precisamente quando eu começava a desabafar, cortavam-me a palavra.
(Um parentêsis: quem já convive comigo há uns anos sabe que, em conversas de grupo, normalmente ouço muito mais do que falo. Primeiro, porque não gosto de falar sobre mim… depois porque ou estou concentrada a ouvir ou concentrada a falar sobre o que me vai na alma e corta-me um pouco o raciocinio só o facto de pensar que tenho de estar atenta à possibilidade de entretanto alguém fazer-me alguma pergunta e eu não ouvir).
Mas bom… naquele dia eu estava a precisar de desabafar! Era uma conversa de mulheres, amigas de faculdade que já se conhecem há anos e na altura pensei “Elas já me conhecem há tantos anos, porque não desabafar com elas?”… Mas nunca, por uma só vez, foram capazes de me ouvir, do princípio ao fim, sem me interromper uma vez que fosse. E depois ainda me diziam “Ah, estás muito caladinha…”… Pudera! Faziam-me as perguntas e nem me deixavam responder! Como é que queriam que eu falasse?
Nessa noite cheguei tardíssimo a casa e no dia a seguir fui trabalhar. Não me arrependi de as ter ouvido durante aquelas horas todas, mas aprendi uma lição: uma pessoa que não é capaz de nos perguntar se está tudo bem e ficar para ouvir a resposta nunca será uma pessoa com quem se possa conversar. Foi a primeira e última vez que isso me aconteceu.
Outra lição que não aprendi, já sabia... mas confirmei: não interessa há quanto tempo se conhecem as pessoas. Normalmente preciso de anos (não estou a exagerar) para ganhar plena confiança em alguém mas.. curiosamente, algumas das pessoas com quem me sinto à vontade para desabafar (algumas sabem mesmo tudo o que há para saber de mim.. pelo menos dentro daquilo que eu própria também sei… lol) são amigos mais recentes… No entanto, tenho a certeza que se aperceberem, nas raras vezes em que sinto essa necessidade, que eu preciso de desabafar, sentam-se e ouvem-me com atenção. Sem penas, sem pressas, sem bocejos pelo meio, dialogando comigo mostrando que estão atentos e que dão importância ao que estou a dizer e a sentir.
Fiquei triste pela rapariga que ia atrás de mim no autocarro, a aturar um diálogo que na verdade era um monólogo. Mas acho que devia ter era pena da rapariga que não a deixava falar. Não compreendo como não se apercebem do que fazem. Ou então apercebem-se... mas não querem saber.
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